Algumas pessoas comentaram comigo sobre os “absurdos que
estão acontecendo na Bienal de 2016”, indignados com os “rumos que estão sendo
traçados para a literatura brasileira”. Fazem referência direta a dicotomias
geradas pelo fato de pessoas como Valesca Popozuda, que publicou um livro sobre
autoajuda em um modelo quase biográfico e que se assemelha a um “Case”; ao
enorme espaço destinado aos blogueiros, que publicaram exclusivamente para a
Bienal e que acabaram tendo tanto ou mais destaque quanto os consagrados
Maurício de Souza e Ziraldo, só para citar alguns.
Pensando como administrador, uma das minhas formações,
tenho que reconhecer que existe uma lógica implícita no mercado, seja qual for,
que muitas vezes não é percebida sequer pelos agentes que a provocam e que, de
certa forma, a mantém.
Se formos analisar pela vertente do mercado, a resposta é
simples: Ganha espaço quem vende mais, ou que produz uma promessa de vendas consistente
com os seguidores que são considerados neste ramo como “público”. Ou seja, se
você tem um público expressivo disposto a comprar um produto (livro) que tem
associado o seu nome, vai ganhar espaço na mídia e consequentemente vai poder
realizar suas vendas amparado pela estratégia de marketing projetada para isso.
Em termos simples “seja um sucesso para ser um sucesso”.
Mas, o que especificamente faz essas pessoas terem um
público? Vamos usar um pouco de psicologia para tentar entender basicamente o
que está acontecendo.
Em tempos de crise geral as pessoas buscam alívio das
tensões internas de alguma forma que varia de acordo com a idade, maturidade e
repercussão. Isso explica um aumento da intensidade nas atividades que se ligam
direta ou indiretamente ao sexo (desde atividades físicas radicais, games que
estimulem sentimentos intensos, músicas e danças sensuais/eróticas, até o sexo
propriamente dito). Não há maior alívio físico e mental que o sexo e suas
variáveis, porque provocam um aumento da dopamina no organismo, causando uma
melhora do humor, do foco, da sensação de recompensa, da memória, entre outras.
Fica fácil entender por que, em tempos de crise, qualquer
coisa ligada ao sexo, direta ou indiretamente, acaba provocando um aumento nas
vendas. Mas isso não explica totalmente as coisas quando pensamos em livros,
ainda mais que listamos entre os fenômenos da atualidade, pessoas que trabalham
com literatura infantil.
Então vamos caminhar da psicologia para a literatura.
Quando as coisas estão tensas ao extremo, quando por todos os lados somos
exigidos em raciocínios complexos dos quais dependem a nossa sobrevivência, e
temos tempo ou necessidade de relaxar e buscamos um livro, o que desejamos é
justamente algo que se contraponha ao estresse. Algo leve, simples, divertido,
que não exija muito do pensamento e ainda provoque um bem-estar físico e mental.
Fica óbvio que, enquanto o mundo todo está em crise de
diversas proporções e de complexidades absolutas, a tendência de mercado
literário é justamente na contramão, servindo quitutes que nos relaxem, nos
estimulem como uma massagem suave, nos façam rir mais do que pensar.
Alguns dirão, indignados, que isso não é literatura. Mas o
que é literatura então? Neil Gaiman faz literatura de alto nível, com HQs.
Maurício de Souza e a turma da Mônica criam reflexões que atingem e encantam
todas as faixas etárias. Ziraldo gosta de brincar com a crítica social, coisa
de menino maluquinho. E os blogueiros e popozudas? Eles também têm o seu
espaço, seu público, sua linguagem e, claro, sua literatura; que pode não
agradar a todos, mas qual literatura consegue? Não é a literatura um ato, por
si só, revolucionário?
Podem alegar que, entre os “fenômenos” apresentados na
Bienal, há muitos que sequer escreveram “seus” livros, valendo-se de Ghost
Writer. Ok, há uma discussão aí que poderia levar várias horas e crônicas, que
envolveria definir o que é melhor, ser um autor e não ter espaço para vender ou
ser um ghost e ganhar experiência e dinheiro para um dia se aventurar mais
alto. Também poderíamos ir pela vertente de que quanto mais pessoas,
principalmente jovens, estão lendo, melhor para todos os autores. E se o
mercado atual está na tendência mais superficial da literatura, ao menos está preparando
o terreno para os grandes romancistas.
Obviamente que adoraria que já tivéssemos um forte
investimento do mercado em autores nacionais, em uma literatura densa que
atravessa as épocas e cria não apenas os Best Sellers, mas os clássicos de cada
época. Mas não vejo com maus olhos que há pessoas comprando livros e lendo, nem
que seja de forma descartável. Estão movimentando a economia, estão se
divertindo de uma forma que não agride a ninguém, estão dando os primeiros
passos em um caminho que eu e muitos escolhemos seguir profundamente, fazendo
disso uma profissão e uma fé.
Creio que na estante da história há lugar para todos os
tipos de literatura, para todas as tendências e estilos, para todos momentos e
gostos. E que não fiquem pegando poeira, que preencham os corações e mentes com
ideias e emoções, com perspectivas diferentes sobre o mesmo tema e com temas
diferentes para as mesmas perspectivas.
E quando o mercado se voltar para autores mais densos, para
uma literatura mais complexa e, ainda, divertida; quem sabe haverá espaço
para este autor e sua literatura. Um espaço aberto por livros que foram
descartados para dar lugar a algo mais elaborado, com embasamento em pesquisas
e tramas instigantes. Então o mundo estará mais leve e poderemos mergulhar em
divertimentos mais profundos e rir juntos.
Nos
vemos (e lemos) em breve.
Danny Marks
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