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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Eu, Popozudo


          Algumas pessoas comentaram comigo sobre os “absurdos que estão acontecendo na Bienal de 2016”, indignados com os “rumos que estão sendo traçados para a literatura brasileira”. Fazem referência direta a dicotomias geradas pelo fato de pessoas como Valesca Popozuda, que publicou um livro sobre autoajuda em um modelo quase biográfico e que se assemelha a um “Case”; ao enorme espaço destinado aos blogueiros, que publicaram exclusivamente para a Bienal e que acabaram tendo tanto ou mais destaque quanto os consagrados Maurício de Souza e Ziraldo, só para citar alguns.
          Pensando como administrador, uma das minhas formações, tenho que reconhecer que existe uma lógica implícita no mercado, seja qual for, que muitas vezes não é percebida sequer pelos agentes que a provocam e que, de certa forma, a mantém.
          Se formos analisar pela vertente do mercado, a resposta é simples: Ganha espaço quem vende mais, ou que produz uma promessa de vendas consistente com os seguidores que são considerados neste ramo como “público”. Ou seja, se você tem um público expressivo disposto a comprar um produto (livro) que tem associado o seu nome, vai ganhar espaço na mídia e consequentemente vai poder realizar suas vendas amparado pela estratégia de marketing projetada para isso. Em termos simples “seja um sucesso para ser um sucesso”.
          Mas, o que especificamente faz essas pessoas terem um público? Vamos usar um pouco de psicologia para tentar entender basicamente o que está acontecendo.
          Em tempos de crise geral as pessoas buscam alívio das tensões internas de alguma forma que varia de acordo com a idade, maturidade e repercussão. Isso explica um aumento da intensidade nas atividades que se ligam direta ou indiretamente ao sexo (desde atividades físicas radicais, games que estimulem sentimentos intensos, músicas e danças sensuais/eróticas, até o sexo propriamente dito). Não há maior alívio físico e mental que o sexo e suas variáveis, porque provocam um aumento da dopamina no organismo, causando uma melhora do humor, do foco, da sensação de recompensa, da memória, entre outras.
          Fica fácil entender por que, em tempos de crise, qualquer coisa ligada ao sexo, direta ou indiretamente, acaba provocando um aumento nas vendas. Mas isso não explica totalmente as coisas quando pensamos em livros, ainda mais que listamos entre os fenômenos da atualidade, pessoas que trabalham com literatura infantil.
          Então vamos caminhar da psicologia para a literatura. Quando as coisas estão tensas ao extremo, quando por todos os lados somos exigidos em raciocínios complexos dos quais dependem a nossa sobrevivência, e temos tempo ou necessidade de relaxar e buscamos um livro, o que desejamos é justamente algo que se contraponha ao estresse. Algo leve, simples, divertido, que não exija muito do pensamento e ainda provoque um bem-estar físico e mental.
          Fica óbvio que, enquanto o mundo todo está em crise de diversas proporções e de complexidades absolutas, a tendência de mercado literário é justamente na contramão, servindo quitutes que nos relaxem, nos estimulem como uma massagem suave, nos façam rir mais do que pensar.
          Alguns dirão, indignados, que isso não é literatura. Mas o que é literatura então? Neil Gaiman faz literatura de alto nível, com HQs. Maurício de Souza e a turma da Mônica criam reflexões que atingem e encantam todas as faixas etárias. Ziraldo gosta de brincar com a crítica social, coisa de menino maluquinho. E os blogueiros e popozudas? Eles também têm o seu espaço, seu público, sua linguagem e, claro, sua literatura; que pode não agradar a todos, mas qual literatura consegue? Não é a literatura um ato, por si só, revolucionário?
          Podem alegar que, entre os “fenômenos” apresentados na Bienal, há muitos que sequer escreveram “seus” livros, valendo-se de Ghost Writer. Ok, há uma discussão aí que poderia levar várias horas e crônicas, que envolveria definir o que é melhor, ser um autor e não ter espaço para vender ou ser um ghost e ganhar experiência e dinheiro para um dia se aventurar mais alto. Também poderíamos ir pela vertente de que quanto mais pessoas, principalmente jovens, estão lendo, melhor para todos os autores. E se o mercado atual está na tendência mais superficial da literatura, ao menos está preparando o terreno para os grandes romancistas.
          Obviamente que adoraria que já tivéssemos um forte investimento do mercado em autores nacionais, em uma literatura densa que atravessa as épocas e cria não apenas os Best Sellers, mas os clássicos de cada época. Mas não vejo com maus olhos que há pessoas comprando livros e lendo, nem que seja de forma descartável. Estão movimentando a economia, estão se divertindo de uma forma que não agride a ninguém, estão dando os primeiros passos em um caminho que eu e muitos escolhemos seguir profundamente, fazendo disso uma profissão e uma fé.
          Creio que na estante da história há lugar para todos os tipos de literatura, para todas as tendências e estilos, para todos momentos e gostos. E que não fiquem pegando poeira, que preencham os corações e mentes com ideias e emoções, com perspectivas diferentes sobre o mesmo tema e com temas diferentes para as mesmas perspectivas.
          E quando o mercado se voltar para autores mais densos, para uma literatura mais complexa e, ainda, divertida; quem sabe haverá espaço para este autor e sua literatura. Um espaço aberto por livros que foram descartados para dar lugar a algo mais elaborado, com embasamento em pesquisas e tramas instigantes. Então o mundo estará mais leve e poderemos mergulhar em divertimentos mais profundos e rir juntos.
Nos vemos (e lemos) em breve.


Danny Marks

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