O sistema solar é composto de uma estrela central, chamada
de Sol, e diversos corpos celestes sob sua influência gravitacional. Os quatro
planetas mais próximos do Sol são Mercúrio, Vênus, Terra e Marte; mais
afastados tem os quatro gigantes gasosos, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno;
além desses existem os cinco planetas anões, Ceres, Plutão, Haumea, Makemake e
Éris; sem falar em inúmeros corpos menores que permeiam praticamente toda a
extensão do sistema solar.
Apenas na Terra existem Ipês Amarelos, uma das 298 mil
espécies de plantas que encantam os humanos. Humanos são uma das 7, 77 milhões
de espécies animais que, ainda este ano, ultrapassou o número de 7 bilhões de
indivíduos, sendo que a grande maioria deles acredita que algum ser divino
criou tudo isso (os Ipês e todo o resto do sistema solar, por exemplo) só para
que ele pudesse ter uma boa vida. Nenhum problema quanto a isso, crenças são
úteis para nos conduzirem em algum determinado caminho quando tudo o mais falha
e necessitamos de algum conforto extra.
A Zenilda, por exemplo, acreditava que o Ambrósio nascera para
pagar as contas dela e fazer-lhe as vontades. Não, o Ambrósio não era um gênio,
apenas um humano que tinha conseguido juntar uma grande quantidade de bens e
valores que a humanidade chama de forma genérica de fortuna. Ambrósio,
portanto, era rico; por consequência, Zenilda e os filhos (junto com Ambrósio)
também se sentiam ricos, afinal eram casados (a Zenilda com Ambrósio e os
filhos com uma qualquer, segundo a mesma).
Os mais atentos vão dizer que cometi um erro com Ambrósio,
ao dizer que não era um gênio. Mas os fatos demonstram que não era mesmo, por
dois motivos justos. O primeiro é que o Ambrósio foi a falência (embora a
fortuna tenha durado um bom tempo antes de acabar), e o segundo é que não
suportou o baque. Não, não morreu por ter falido, nem mesmo dos gritos da
Zenilda quando soube. Sofreu um infarto e caiu duro no chão e ainda teve um
traumatismo craniano que, segundo a Zenilda, estragou um ótimo tapete que
estava na entrada da casa.
Segundo a vontade do Ambrósio, o melhor seria cremar e
espalhar as cinzas em um belo lugar. Dele, não do tapete, que um dos filhos disse
que daria uma limpada para poder vender para um amigo turco. Como conhecido da
família, fui convidado para a cerimônia fúnebre. Até porque precisavam de
alguma ajuda com os tramites, afinal era o Ambrósio quem (em vida) fazia
tudo, não deixava a Zenilda nem ir no banco para ver o saldo da conta bancária,
o que deve ter sido um dos fatores que o levou a falência.
Claro que providenciei a cerimônia de despedida e até
indiquei como poderiam proceder com a cremação do Ambrósio. Poderia ter cremado
o tapete também, mas tem coisas que é melhor deixar ir, e fui.
O Ambrósio até estava bem no terno que tinha usado no
casamento, há seis meses, em que tínhamos nos encontrado pela última vez. Foi
quando soube da falência e dos seus planos para lidar com ela. A Zenilda também
estava usando as mesmas joias do casamento (há coisas que se relutam em
esconder, mesmo nos piores momentos), mas usava outro vestido, um verde escuro
(“fico horrível de preto, jamais! ”, alguém deve ter-lhe dito que o vermelho decotado
também não causaria boa impressão naquele momento).
Os filhos do Ambrósio deram uma passada rápida, mas logo tiveram
que sair porque tinham outro compromisso inadiável. Deram um beijo na mãe e
saíram com alguma moça qualquer, não as esposas, porque já haviam se separado
novamente. Dei uma olhada em uma delas quando já entrava em um taxi e tive a
impressão que o vestido branco lhe caia bem no corpo de modelo.
A situação exigia que vencesse as reservas que pudesse ter
e me aproximasse da viúva inconsolável e, naquele momento, sozinha. Amigos,
mesmo que não sejam gênios ou que estejam falidos ou falecidos, merecem a nossa
consideração até a despedida final, e isso se estende aos que lhe eram caros.
Duvido que alguém fosse mais cara que a Zenilda, para o Ambrósio, então fui
prestar os meus sentimentos, como manda o código de bom amigo.
Tão logo me aproximei a Zenilda desabafou, devia ter se
segurado muito até aquele momento.
— Não sei como o Ambrósio pode fazer uma coisa dessas.
Imagina nos deixar em uma situação assim? E agora? O que vamos fazer? Nem ir ao
banco eu sei, e os meninos? Nunca trabalharam, isso é coisa para pobre! Estou
inconsolável.
Realmente, que coisa feia, não é Ambrósio? Como pode
simplesmente ter sofrido um infarto sem ter ao menos resolvido a questão da
falência? Um verdadeiro descaso com a família, um verdadeiro absurdo. Tem gente
que só pensa em si mesmo. Agora o que será da coitada da Zenilda, e do meu
lenço de seda que deixei com ela para secar as lágrimas, aproveitando para me
afastar rapidamente e pegar o primeiro taxi que encontrei? Depois tive que
pedir para alguém buscar o carro no estacionamento do cemitério que pretendo
não ver tão cedo. Essas coisas mórbidas acabam desestabilizando a gente.
Quando
liguei para o crematório para saber se tudo estava nos conformes soube que os
familiares do Ambrósio tinham acatado a sugestão dos funcionários de jogar as
cinzas nas arvores próximas. É o procedimento quando os familiares demoram mais
que trinta dias para retornar. Creio que o Ambrósio não deve ter se importado
por um detalhe insignificante desses. Afinal o principal é saber que a nossa
importância está naquilo que deixamos para as pessoas que nos são caras, depois
que viramos poeira em um planeta que nem é tão importante assim, em relação a
todo o Universo.
A
Zenilda? Não sei, nunca mais soube dela ou dos filhos e netos. Acho que nem ela
sabe. Mas todo dia quando abraço os meus familiares, lembro do Ambrósio, que não
era nenhum gênio, mas que me deu uma ótima lição sobre valores que nunca vão à
falência. Grande Ambrósio, que os Ipês amarelos o tenham sob sua sombra. Amém.
Danny
Marks
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