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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Apesar de Você

          Está virando moda no mundo todo uma frase que marcou a luta da música popular brasileira contra a ditadura: Apesar de você, amanhã há de ser um novo dia.
          Vamos partir do macrocosmo, lá do outro lado do mundo. Apesar do terrorismo que tomou conta de toda uma região, obrigando milhares de pessoas a largarem tudo e se arriscarem a viver em outro lugar (contra a certeza da morte se ficassem), ainda há os que encontraram forças para ir além e tentar concorrer na Olimpíadas de 2016.
          Apesar das terríveis advertências sobre a criminalidade, as doenças, as obras malfeitas, a desorganização e a quebra das promessas de infraestrutura nos locais dos jogos, as delegações vieram ao Brasil e vão lá ganhando os seus louros e construindo histórias de superação individual e coletiva.
          Apesar de todas as expectativas em contrário, a abertura dos jogos foi um show à parte que encantou o mundo todo pela sua beleza e simplicidade, com direito a expressão popular à política de micro discurso. O registro está feito e pode ser visto e revisto na implacável divulgação internética, um neologismo que apresenta a velocidade e invencível democracia dinâmica do novo mundo cibernético. Sem dó ou piedade, mas com lados antagônicos amplamente defendidos por bilhões de interpretações individuais que tentam conquistar o pódio olímpico.
          Qual a lição que fica diante dos resultados e dos discursos dos vencedores? Apesar de você. Os países que investem pesado em seus atletas, que criam programas e desenvolvem tecnologias para apresentar os melhores resultados, levam fácil o ouro. Para todos os outros, continua valendo a mesma lógica que os brasileiros estão acostumados a vivenciar no seu dia a dia: Seja um vencedor para ser um vencedor com apoio.
          Essa é a mesma lógica que empresas usam para exigir dos jovens candidatos, um alto grau de conhecimento e experiência, além de juventude e dinamismo. Só não dizem como é que um jovem que tem que escolher entre estudar muito para adquirir conhecimentos, conseguiria ter experiência só adquirível se tivesse um trabalho anterior, conseguiria fazer a junção entre os dois mais exigidos requisitos se um acaba por invalidar o outro.
          É fato que quem trabalha de dia e estuda a noite não tem tempo para fazer os cursos básicos, uma faculdade boa, e ainda estudar uma língua estrangeira. E se não trabalha, dificilmente terá condições de pagar boas escolas e, com certeza, não poderá adquirir a tão exigida experiência profissional. Quem tem que nascer primeiro? O ovo ou a galinha?
          Nesse caso a lógica é simples, a galinha tem que virar canja para que o ovo possa ter alguma chance. Ou em termos brasileiros, tem que dar um “jeitinho” de se inserir entre os bons para poder demonstrar o quão bom é.
          Mas ser bom não basta, sempre haverá um batalhão de inconformados que elevarão as suas vozes contra todo aquele que está tentando escalar com suas próprias mãos o paredão do sucesso, puxando suas pernas como se fossem zumbis vorazes por cérebros frescos. Superar isso e alcançar uma oportunidade já deveria valer por toda a “experiência” que fosse necessária, mas não funciona assim. Ainda tem que enfrentar os melhores de outros lugares mais privilegiados, que foram estimulados a serem os melhores, que tiveram todo o apoio necessário. São duas batalhas em uma, sendo que o adversário só vai lutar a segunda “de igual para igual”.
          Mas o mesmo vale para todas as profissões no Brasil. Vale para o empresário, vale para o administrador, para o professor, para o médico. Vale para o escritor, o jornalista, vale para o ator e para o cozinheiro. Só não vale para o político. Este só precisa querer fazer parte de uma raça a parte, ter aquela motivação de falar bonito e se apresentar sempre bem vestido, com ar de sucesso garantido. Nenhum diploma é exigido, nenhum talento é cobrado, nenhuma experiência é apontada como fator de sucesso. Convença os outros de que é, e será. Então poderá comandar todos aqueles que tiveram que suar sangue para alcançar alguma colocação melhor e poderá ser fotografado como um “apoiador” deste novo e deslumbrante talento, um símbolo que vai fazer brilhar o seu sucesso. Até que outro o substitua.

          E assim, o jeitinho vai sendo a regra e o Brasil vai avançando do jeito que conseguir se manter, apesar de todos os governantes incompetentes que tiver que encarar ao final de cada sucesso alcançado, não por causa deles, mas apesar deles. Esta não é uma terra para amadores, por certo.

(Danny Marks)

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