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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Esquadrão de Suicídas

          Sabe aquele filme? Vou falar dele, mas não se preocupe, não vou dar spoilers, não mais do que dizer que seria melhor que passassem o trailer no cinema e o filme no youtube.
          Está todo mundo dizendo, exceto, talvez, alguns que tentam amenizar as coisas, que o filme é muito ruim. E é, de fato. Não há como negar. Consegue cometer todas as falhas imagináveis e algumas nunca antes vistas na história do cinema. Deveria levar o troféu de filme trash que vai acabar virando cult de uma forma estranha, pode escrever.
          Vou apontar apenas alguns erros mais aberrantes, depois pode conferir se quiser, estão lá.
          Em primeiro lugar, o pior de todos: Menosprezar a principal característica que torna o famoso grupo de vilões dos quadrinhos um ícone emblemático, um arquétipo da literatura. Como assim?
          Pense, quais são os personagens principais em um filme de ação? Normalmente temos os heróis, aquelas pessoas que lutar com o risco de própria vida para promover o que a sociedade acha que é o certo, defender as melhores formas de se viver, os valores mais elevados da moral e da justiça.
          Não muito tempo atrás, criou-se uma figura mais sombria e tão emblemática quanto: O Anti-Herói. Não, ele não é o vilão, é aquele que está disposto a dar a própria vida para lutar pelas coisas que ELE acredita serem o melhor para a sociedade, apesar desta discordar na maioria das vezes. Usa de todos os recursos possíveis, até mesmo aqueles que seriam de uso exclusivo dos vilões, para combater...vilões.
          Mas a contracultura acabou desenvolvendo um outro tipo de personagem carismático. O vilão que luta contra vilões, e é perfeito exatamente por isso. Como assim? Verdade, o cara é um vilão que é forçado a lutar contra vilões para preservar o que acha mais importante para ele, a própria vida. Ainda que tenha que matar todos outros para conseguir se dar bem.
          Essa forma de personagem é uma evolução natural dos arquétipos que povoam as histórias ao longo da humanidade. Primeiro eram os heróis que tinham que superar os próprios defeitos para se tornarem um exemplo de ser para todos que almejam algo melhor. Depois surgiram os heróis que acabavam sucumbindo ao próprio poder corruptor e se tornavam vilões em suas próprias histórias.
          Por fim nasceram os anti-heróis que não negavam os seus defeitos, mas os utilizavam para promover um mundo em que acreditavam que as coisas seriam melhores, mais reais. A sua própria versão de um mundo melhor, e lutavam contra todos que simplesmente queriam destruir o mundo, seja por qual motivo fosse.
          Alguns vilões acabaram se tornando anti-heróis ao perceberem que não queriam destruir, mas reconstruir o mundo segundo as suas visões deformadas por traumas insuperáveis, apenas para continuar existindo.
          E então surgiram os Vilões que combatem vilões, sob o paradigma de que apenas um mal controlado pode combater um mal descontrolado, podendo ser descartado logo a seguir sem culpas. E é nessa linha que surgiu o Esquadrão suicida. Grande vilões capturados e subjugados, forçados a lutar contra forças nefastas para sobreviver, sendo obrigados a conviver com os seus desprezíveis companheiros enquanto isso for um fator que amplia as suas chances de ter sucesso em se libertar e continuar vivo.
          Querer transformar esse novo arquétipo em “anti-herói” é o mesmo que querer reverter os anti-heróis em personagens exemplares. Não convence, não funciona, quebra a magia arquetípica que é a base dessa ideologia. Uma fraca tentativa de dizer que o mal não tem espaço para existir no nosso universo.
          Não funciona porque basta olhar para o mundo do jeito que está e vemos claramente que o mal existe, e não necessita vir de outra dimensão ou de outro mundo. Está presente em cada um de nós e na sociedade como um todo, fruto do fracasso na convivência, do desastre da civilização que não consegue avançar diante de modelos falidos que tentam a todo custo se manter vivos, ainda que todo o resto morra, como os vilões.
          É justamente nessa realidade crua e cruel que está a base do carisma desse novo tipo de personagem. A identificação com o que cada um está disposto a fazer para superar o que quer que seja lançado contra o indivíduo disposto a tudo para sobreviver e, então, vencer no mundo caótico e desleal que tem que ser mudado.
          Outro erro cometido é algo básico. Se tem diversos personagens complexos para apresentar, deixe apenas a referência para que os interessados se aprofundem, assumam que aqueles que se interessaram em ver o filme conhecem, ao menos basicamente, o que vão ver. Criem meios paralelos para ampliar e facilitar essa divulgação, há vários. Ou façam mais filmes aprofundando as histórias individuais antes de apresentar o grupo. Fazer tudo isso junto é criar o que se chama de poluição de informação, não há tempo para se classificar e absorver tantas coisas e o resultado é superficial e trágico.
          Por fim, mas não menos importante. Quando se faz uma adaptação de uma história já conhecida, o ideal é tentar fazer o mais fiel possível ao que já está estabelecido. Bons atores aprofundam o personagem, captam as características mais marcantes e as desenvolvem, criando o seu modo interpretativo que deve convencer a assistência de que, sim, é aquele cara mesmo. Ter bons atores no elenco que simplesmente não incorporaram o personagem, é apenas ter um fracasso caro.
          Não vou nem falar do “Coringa” que aparece nesse filme. Me pareceu uma tentativa ridícula de resgatar o personagem da famosa “Piada Mortal” com um toque de amor romântico clássico (aquele que só se realiza na morte). Em primeiro lugar, todos sabem que o coringa é um personagem psicopata, não tem amor por nada que não seja relacionado a ele, para ele, a partir dele. Fazer um coringa apaixonado é desprezar toda a literatura psicológica sobre a psicopatia. No máximo ele estaria apaixonado pela sua “criação”, a corrupção de uma sociopata treinada em psicologia, a Arlequina, ou para os que conhecem a história, a doutora Harleen Frances Quinzel, que “desperta” sua sociopatia à partir da tentativa de curar o coringa, mas acaba caindo nas suas complexas redes de manipulação. A Arlequina não ama o coringa, é submissa a ele, e seu maior desejo é supera-lo para poder mata-lo, mas até lá, é obrigada a um amor corrompido na base da síndrome de Estocolmo. Ela representaria, na linguagem da psicologia, o superego de um psicopata. E vejam como é interessante esse veio não explorado em todos os nuances.

          Quem sabe as próximas produções sejam melhores, mas assim como no mundo real, na indústria cinematográfica os erros jamais são perdoados, ao contrário dos filmes em que esse tipo de milagre pode acontecer, se fizer por merecer.

Danny Marks

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