Sabe aquele filme? Vou falar dele, mas não se preocupe, não
vou dar spoilers, não mais do que dizer que seria melhor que passassem o
trailer no cinema e o filme no youtube.
Está todo mundo dizendo, exceto, talvez, alguns que tentam
amenizar as coisas, que o filme é muito ruim. E é, de fato. Não há como negar.
Consegue cometer todas as falhas imagináveis e algumas nunca antes vistas na
história do cinema. Deveria levar o troféu de filme trash que vai acabar
virando cult de uma forma estranha, pode escrever.
Vou apontar apenas alguns erros mais aberrantes, depois
pode conferir se quiser, estão lá.
Em primeiro lugar, o pior de todos: Menosprezar a principal
característica que torna o famoso grupo de vilões dos quadrinhos um ícone
emblemático, um arquétipo da literatura. Como assim?
Pense, quais são os personagens principais em um filme de
ação? Normalmente temos os heróis, aquelas pessoas que lutar com o risco de
própria vida para promover o que a sociedade acha que é o certo, defender as
melhores formas de se viver, os valores mais elevados da moral e da justiça.
Não muito tempo atrás, criou-se uma figura mais sombria e
tão emblemática quanto: O Anti-Herói. Não, ele não é o vilão, é aquele que está
disposto a dar a própria vida para lutar pelas coisas que ELE acredita serem o
melhor para a sociedade, apesar desta discordar na maioria das vezes. Usa de
todos os recursos possíveis, até mesmo aqueles que seriam de uso exclusivo dos
vilões, para combater...vilões.
Mas a contracultura acabou desenvolvendo um outro tipo de
personagem carismático. O vilão que luta contra vilões, e é perfeito exatamente
por isso. Como assim? Verdade, o cara é um vilão que é forçado a lutar contra
vilões para preservar o que acha mais importante para ele, a própria vida.
Ainda que tenha que matar todos outros para conseguir se dar bem.
Essa forma de personagem é uma evolução natural dos arquétipos
que povoam as histórias ao longo da humanidade. Primeiro eram os heróis que
tinham que superar os próprios defeitos para se tornarem um exemplo de ser para
todos que almejam algo melhor. Depois surgiram os heróis que acabavam
sucumbindo ao próprio poder corruptor e se tornavam vilões em suas próprias
histórias.
Por fim nasceram os anti-heróis que não negavam os seus
defeitos, mas os utilizavam para promover um mundo em que acreditavam que as
coisas seriam melhores, mais reais. A sua própria versão de um mundo melhor, e
lutavam contra todos que simplesmente queriam destruir o mundo, seja por qual
motivo fosse.
Alguns vilões acabaram se tornando anti-heróis ao
perceberem que não queriam destruir, mas reconstruir o mundo segundo as suas
visões deformadas por traumas insuperáveis, apenas para continuar existindo.
E então surgiram os Vilões que combatem vilões, sob o
paradigma de que apenas um mal controlado pode combater um mal descontrolado,
podendo ser descartado logo a seguir sem culpas. E é nessa linha que surgiu o
Esquadrão suicida. Grande vilões capturados e subjugados, forçados a lutar
contra forças nefastas para sobreviver, sendo obrigados a conviver com os seus
desprezíveis companheiros enquanto isso for um fator que amplia as suas chances
de ter sucesso em se libertar e continuar vivo.
Querer transformar esse novo arquétipo em “anti-herói” é o
mesmo que querer reverter os anti-heróis em personagens exemplares. Não
convence, não funciona, quebra a magia arquetípica que é a base dessa
ideologia. Uma fraca tentativa de dizer que o mal não tem espaço para existir
no nosso universo.
Não funciona porque basta olhar para o mundo do jeito que
está e vemos claramente que o mal existe, e não necessita vir de outra dimensão
ou de outro mundo. Está presente em cada um de nós e na sociedade como um todo,
fruto do fracasso na convivência, do desastre da civilização que não consegue
avançar diante de modelos falidos que tentam a todo custo se manter vivos, ainda
que todo o resto morra, como os vilões.
É justamente nessa realidade crua e cruel que está a base
do carisma desse novo tipo de personagem. A identificação com o que cada um
está disposto a fazer para superar o que quer que seja lançado contra o
indivíduo disposto a tudo para sobreviver e, então, vencer no mundo caótico e
desleal que tem que ser mudado.
Outro erro cometido é algo básico. Se tem diversos
personagens complexos para apresentar, deixe apenas a referência para que os
interessados se aprofundem, assumam que aqueles que se interessaram em ver o
filme conhecem, ao menos basicamente, o que vão ver. Criem meios paralelos para
ampliar e facilitar essa divulgação, há vários. Ou façam mais filmes
aprofundando as histórias individuais antes de apresentar o grupo. Fazer tudo
isso junto é criar o que se chama de poluição de informação, não há tempo para
se classificar e absorver tantas coisas e o resultado é superficial e trágico.
Por fim, mas não menos importante. Quando se faz uma
adaptação de uma história já conhecida, o ideal é tentar fazer o mais fiel
possível ao que já está estabelecido. Bons atores aprofundam o personagem,
captam as características mais marcantes e as desenvolvem, criando o seu modo
interpretativo que deve convencer a assistência de que, sim, é aquele cara
mesmo. Ter bons atores no elenco que simplesmente não incorporaram o
personagem, é apenas ter um fracasso caro.
Não vou nem falar do “Coringa” que aparece nesse filme. Me
pareceu uma tentativa ridícula de resgatar o personagem da famosa “Piada Mortal”
com um toque de amor romântico clássico (aquele que só se realiza na morte). Em
primeiro lugar, todos sabem que o coringa é um personagem psicopata, não tem
amor por nada que não seja relacionado a ele, para ele, a partir dele. Fazer um
coringa apaixonado é desprezar toda a literatura psicológica sobre a
psicopatia. No máximo ele estaria apaixonado pela sua “criação”, a corrupção de
uma sociopata treinada em psicologia, a Arlequina, ou para os que conhecem a
história, a doutora Harleen Frances Quinzel, que “desperta” sua sociopatia à
partir da tentativa de curar o coringa, mas acaba caindo nas suas complexas
redes de manipulação. A Arlequina não ama o coringa, é submissa a ele, e seu
maior desejo é supera-lo para poder mata-lo, mas até lá, é obrigada a um amor
corrompido na base da síndrome de Estocolmo. Ela representaria, na linguagem da
psicologia, o superego de um psicopata. E vejam como é interessante esse veio
não explorado em todos os nuances.
Quem sabe as próximas produções sejam melhores, mas assim
como no mundo real, na indústria cinematográfica os erros jamais são perdoados,
ao contrário dos filmes em que esse tipo de milagre pode acontecer, se fizer
por merecer.
Danny Marks
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