Translate

domingo, 14 de agosto de 2016

Ossos Cruzados

Não há dia melhor para apresentar os ossos que hoje, Dia dos Pais.
          Datas comemorativas foram criadas para sustentar o comércio, principalmente em tempos de crise econômica (e os governos nunca economizaram em criar crises). Torna-se quase uma obrigação apresentar os ossos mais simpáticos do corpo, os dentes, por mais que estejam amarelados, ausentes, branqueados artificialmente, substituídos por simulacros caros, amigos.
          Pais são, na emblemática figurativa das sociedades, os ossos da família. Assim como as mães são o coração e os filhos, a alma que precisa constantemente ser vigiada e reconduzida para evitar que se percam nos inúmeros descaminhos que as almas gostam de frequentar.
          Ossos são como a morte, algo que está sempre lá, em algum lugar, cumprindo o seu papel, mas deve permanecer escondido até que algo grave provoque a sua exposição.
          E são expostos, tremulando em bandeiras piratas anunciando o terror que chega, em shows de rock gritando a energia que nunca acaba em sorrisos descarnados. Caveiras de olhos que veem além dos olhos, iluminadas, purpurinadas, em chamas devoradoras de pecados, escurecidas, brilhantes para além dos limites do desconhecido que se recusa a manter-se oculto.
          Ossos cruzados em abraços e nos confrontos, ossos revestidos de metal, partidos e reconstruídos de forma radical. Somos os ossos da evolução que olha além dos campos, negando a gravidade, devorando a vida em nacos arrancados.
          Edifícios são ossos de concreto na cidade, calados permanecem ignorados até que se partem. Cumprem o seu papel, observam tudo em silencioso esgar, cientes de que estarão lá, duros, secos, firmes, quando tudo o mais tiver sido apagado.
          Até que virem cinzas poeirentas de um corpo que não precisa mais se sustentar. Essa é a nossa jornada, que se inicia neste momento, erguendo-se desnuda em palavras que, expostas friamente, observam os efeitos que provocam apenas pela sua inegável existência.
          Ossos do ofício, viciados em expor o indizível, sustentando-se sozinhos.

Danny Marks 

Nenhum comentário:

Postar um comentário